Relato
3: Siqueira
1°
Dia.
Começamos tomando um delicioso café da manhã na
casa do Sr. Cláudio Pagung e esposa Sra. Iracy, o casal que nos
hospedou em Laranja da Terra. Aliás, hospedagem nota mil, melhor
do que qualquer hotel que poderíamos ficar diante da simpatia
de nossos anfitriões.
Eu tinha feito uma preparação razoável para o survivor,
durante as últimas semanas fiz vários pedais de mais de
50 km com ritmo forte e incluindo passagens repetidas na subida do hotel
ilha do boi e muito treino de cadência sempre com 90-95 rotações.
Também investi na bike trocando umas peças pra ela ficar
mais leve. Um pouco antes da largada Eu, Marcelo, Fernando e Rodrigo
tomamos um Redbull de litro pra “dar asas”.
Na largada tomei um susto, pois a moçada saiu “descendo
o bambu”, e aí pensei: Ou eu to ruim paca ou essa galera
ta bem demais. Então fui puxando aos poucos e não vi mais
até o fim da prova o mestre Marcelo e o Fernando. Foi um trecho
mais ou menos plano e vi a moçada sumindo nas carreiras. Após
uns 15 minutos, já aquecido, acelerei mais forte.
Km
09 num singletrack em subida por dentro de um cafezal comecei a
ver “os caras”. Já tinha “empurro terapia”,
eu tava na vovozinha, dava pra subir, mas após o meio da
subida resolvi empurrar também, pois a velocidade era a mesma
que pedalando. O calor aumentou forte nesse setor. Passei alguns
bikers e juntei com o Colega Solimar no fim desse aclive.
No KM 16 tinha uma passagem molhada com uma descidinha antes. O
Solimar caiu, eu soltei o freio e desci embalado, ele me avisou
“vem não que ta uma liseira só”. Ache
que eu escutei? PN, e aí LONA. Bike decolou no mato e eu
fiquei de bunda ralada dentro d’água. Na adrenalina
agente sacudiu a poeira, ou melhor, a água e bola pra frente.
Percebi que na queda o câmbio traseiro desregulou e ficaram
duas machas pulando, não importava a coroa que estivesse.
No Km 27 Rodrigo acompanhado de outro ciclista da sub-30 me alcançaram;
Eu tava com a bike de cabeça pra baixo tentando regular o
câmbio, e ficou um pouco melhor, assim parti acompanhando
os parceiros pra não ficar muito pra trás. |
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Nesse trecho
que não tinha grandes elevações, passamos pela
Vila de Laranja da Terra e tinha uma torcida nativa fazendo a maior
festa. Forçamos o ritmo deixando o “sub-30” na poeira
e passamos alguns competidores que começavam a cansar. Dois estavam
conversando e ouvi quando um perguntou pro outro: “Já passamos
dos 40? falta quanto pros 65?”. 65? Como assim? No meu planejamento
achei que eram 81 km no primeiro dia, estávamos com 38 km e eu
vinha me poupando, então pensei que se eram “só”
65 km era a hora de puxar mais. Desci o bambu com força...
No km 43 Rodrigo começou a falar uma palavra chata de se ouvir
em pedal: Câimbra. Estávamos subindo desde o km 41. No
Km 44 já na vovozinha resolvi consultar a altimetria, pois a
dúvida quanto à distância do percurso tava me preocupando.
Afinal 65 ou 81? (Faz um diferença...) Na minha altimetria tinha
81 km certinhos. Rodrigo encostou com a câimbra atacando e eu
continuei forçando, pois tava me sentindo bem.
No KM 47 alcancei o Solimar num plano curto e ficamos por uns 2 kms
juntos, mas aí veio o trecho cruel. Começou uma subida
que durou 9 kms até chegar aos 5 pontões. Solimar foi
ficando. Pra não lembrar muito a tortura vou resumir em três
palavras: “QUE PICA MALANDRO”. Vovozinha, empurra bike geral,
câimbra, calor, abuso, vontade de desistir, etc. Mas não
parei (mesmo empurrando). Passei um cara vomitando; um grupo de três
com o mapa na mão discutindo, pois pensavam ter errado o caminho
(um estava dizendo: cinco pontões é o caralho); outro
jogou a bike no chão e tirou as sapatilhas; tinha um biker deitado
numa “parada de ônibus”. Falei: Mano! Hoje é
sábado! O busão só passa segunda, aliais, segunda
é feriado! O cara fez uma cara de “PQPVTN ÚC FDP”
e disse “to só descansando enquanto meu amigo chega; Te
passo já”. Depois fiquei sabendo que o amigo dele era o
cara vomitando. Vi os dois chegando juntos só o bagaço.
Levei 1h42m pra percorrer esses 9 km.
Chegou uma descida irada. Em pouco mais de 5 kms desci do ponto mais
alto da prova à 905m para 190m de altitude. Maravilhoso. Nessa
hora a bike Full mostra sua vantagem. Soltei as suspensões ao
máximo e despenquei. Cheguei a 72,1 km/h. “DO CARAAAÍÍÍÍ
MANOS”. Vi um cara tombando numa curva, mas não tive como
parar pra ajudar. Cheguei ao ponto de apoio (km 63) com os pulsos e
mãos doendo. O disco de freio tava azulado da temperatura. Avisei
do cara que caiu. Coloquei água no Camelback e sentei o bambu,
pois faltavam “só” 19 kms sem previsão de
“alpinismo” e se eu esfriasse a prova acabava ali.
No km 69 alcancei dois caras pedalando juntos, fiquei na cola um tempo
e vimos outro competidor. O cara nos viu e acelerou com gosto; Eu consegui
colar nele e passei numa descida curta. Nos últimos 10 kms pedalei
sozinho mantendo o ritmo. Incrível mas neste trecho final já
não sentia dor, câimbra, desanimo ou cansaço. Parecia
anestesiado. Repetia mentalmente: Ta chegando, ta acabando, ta no fim,
Vou tomar um montão de cerveja gelada!!!. No velocímetro
81km e nada; 82km e nada; 83km... PQP @#$%`^@#. Cadê. Fui entrando
na cidade, voltinha na praça sobre o calçamento, criançada
correndo, música tocando. Ufa... Chegada. Na faixa tava escrito
LARGADA, mas devia ser pra se largar no chão.
O locutor falou “chegando mais um atleta. Número 88. Atleta
Siqueira da categoria Sport sub-40. Quinto colocado da Sport e Primeiro
da sub-40”. Nem acreditei. Caraiii... Rebentei. Vou tomar um “catatau”
de cerveja. O locutor tava errado. Tinha chegado em quinto da Sport
mesmo, mas da sub-40 fui o terceiro. Lembrei da subida dos cinco pontões
onde pensei em jogar a toalha! E Tomei um montão de cerva do
mesmo jeito....”“ Cinco pontões é o Caraaalhoo
“”.
Abraço Siqueira.
Dados dia 1: Distância - 84,36 kms. Tempo Total - 6h49m27s. Tempo
Pedal - 5h59m06s. Vmax - 72,1 km/h. (Irado) Vmed – 14,1 km/h.
Alimentação/hidratação – 3 barrinhas
de carboidrato, 2 de proteína, 2 paçoquinhas, 6 saches
de carbogel, 120 ml de mel de abelha, uma latinha de energético
Start (km40), um squezer de marathon e uns seis litros de água.
Hã teve uma colherinha de sal que arrumei numa casa do caminho
na hora que a câimbra apertou.
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